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Movido talvez pelo falecimento de Joel Silveira, que eu conhecia mais como correspondente de guerra, lembrei-me de que em dois posts anteriores contei dos meus sentimentos pessoais (ainda muito criança) com relação ao início e ao final da II Guerra Mundial. Faltou o meio, o “durante”. Para não ficar enfadonho o depoimento (a maioria não lê post grande) nada melhor do que falar desse período em doses homeopáticas, em gotas, fragmentos de um texto cujo original é muito longo. Vamos lá:
1 - A sensação que tínhamos diante da grande inquietação estampada no semblante dos adultos era a de que a nossa cidade poderia ser invadida e bombardeada a qualquer momento.
2 - Certa noite, avistei um grupo de pessoas aparentemente vindo em minha direção. Usavam máscara com um tubo que saía da altura do nariz, e carregavam às costas algo parecido com mochila. Corri assustado. Até saber que aquilo não passava de um treinamento de civis com máscaras contra gases venenosos. O terror dominou a minha mente de criança.
3 - A maioria das famílias tinha pelo menos um filho reservista, categoria militar do jovem que tinha servido ao Tiro de Guerra, e por isso estaria teoricamente apto a ser convocado para o front, na Itália.
4 - A chegada de um telegrama convocando um filho para a guerra provocava cenas semelhantes à perda definitiva de uma pessoa querida.
5 – Assim que amanhecia, ainda que não entendesse nada, eu ia para o lado de minha irmã ouvir no rádio o noticiário sobre o avanço dos alemães. Não sei o nome das estações, talvez a Record, de São Paulo; ou a Nacional, do Rio. Mais tarde me certifiquei que uma delas era mesmo a Rádio Nacional, e o locutor, Heron Domingues.
6 - O clima da guerra influenciava até as nossas brincadeiras de fundo de quintal, quando criávamos cenários que lembravam a realidade. Construíamos casinhas usando barro e pedaços de telhas e pedras; cidades em miniatura, estradas, pontes, ruas com postes de iluminação feitos de bambuzinho e “fios elétricos” de linha de costura grossa marca “Corrente”... Nos pequenos carretéis de madeira já usados enrolávamos panos verdes. Eram os nossos soldados fardados. Aí então vinham os “aviões de guerra” despejando “toneladas” de bombas (pedaços de pedra) que destruíam toda a “cidade”... Não ficava pedra sobre pedra, apenas restos de barro que varríamos com a água da mangueira que regava o jardim de nossa casa...
7 – A guerra apressou pesquisas que deram origem a matéria plástica, colas instantâneas, alimentos enlatados, borracha sintética, carro refrigerado a ar, geladeira a querosene, liquidificadores, filmes, rádios, televisores, gravadores de som, óculos Ray-Ban e até canetas esferográficas. O ideal seria que tudo isso fosse descoberto, criado, inventado ou desenvolvido em tempos de paz, sem a necessidade dos terrores de uma guerra mundial.
8 - A grande diversão para nós era o “Álbum de Guerra”. Nele colávamos as figurinhas dos grandes personagens que participavam direta ou indiretamente do conflito. A figurinha podia ser “praga” ou “difícil”. A mais difícil era a número 1, de Chiang Kai Chek, Presidente (ou Primeiro Ministro) da China. As de Charles De Gaulle, Molotov, Stalin, Pièrre Laval, Marechal Pétain, Churchill, Roosevelt, Hiroíto, Madame Chiang Kai Chek, Hitler, Mussolini, General MacArthur, Eisenhower e tantas outras não eram “difíceis”, porém não tão “pragas”. Completado o álbum este dava direito a bolas de futebol, bicicletas, rádios e outros brindes. Não ganhei nada. Nunca vi a figurinha n. 1...
9 – Segundo os adultos, os gibis, que líamos com tanto gosto, eram propaganda americana. Talvez sim, porque os quadrinhos produzidas nos USA passavam aos jovens leitores a imagem de que os americanos estavam sozinhos na guerra, o que não era verdade, já que entraram nela após o destruidor ataque japonês a Pearl Harbor.
10 - Um dia vínhamos da escola e rimos ao ver num muro branco a seguinte frase escrita com tinta vermelha: "FORA LAVOURA E COMÉRCIO, JORNAL LACAIO VENDIDO AOS AMERICANOS PARA PROPAGANDA DE GUERRA" (O Lavoura era o principal jornal da região). E pensávamos: "Como pode um pequeno jornal do interior ter influência numa guerra?".
11 - Não obstante estivesse acontecendo em lugares tão afastados a guerra impôs à população brasileira o racionamento de bens de consumo importantes, como derivados de petróleo, combustíveis, peças de automóveis, alimentos. Nos carrinhos de brinquedo (de lata, made in USA), prendíamos o nosso desengonçado "gasogênio": um tubo de papelão ou latinha de formato cilíndrico. Na falta do açúcar adoçava-se o café com pedras de rapadura, ou em casos extremos a solução eram as balas adquiridas no armazém do Sr. Amâncio... Ou então o café era bebido sem açúcar mesmo. Nada era doce durante a II Grande Guerra... (Adelino P. Silva)
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Foto escaneada por Aps do Livro "História da II Guerra Mundial"
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