Foto APS, 29/05/1958. Estádio ainda vazio, bem antes do início de um jogo.----------------------------------------------------------------------------------
O Brasil foi confirmado como sede da Copa do Mundo de 2014, e parece que a grande final será no Estádio do Maracanã. Hoje é um estádio moderno, bonito, acabado, bem diferente do “meu” Maracanã das décadas de 50/60. Vale a pena lembrar algumas diferenças curiosas:
PLACAR - Eram três, afixados logo abaixo das grades de proteção das arquibancadas: um, do lado oposto às cabines de rádio, e dois, atrás das balizas. Chapas de metal medindo cerca de 1x1m, pintadas com algarismos de 0 a 10, eram retiradas e encaixadas num compartimento próprio assim que os gols iam acontecendo. Um pesado trabalho executado por jovens cujo critério de escolha naturalmente não dispensava o “quesito” “preparo físico”... Surgiu daí a “palavra de ordem” criada por um famoso narrador esportivo: “Atenção, garoto do placar... Coloque...”. O “garoto” por vezes se enganava e colocava a placa invertida, o que era motivo de muitas vaias da torcida “prejudicada”...
ESCALAÇÕES, RENDA E PÚBLICO - 140, 150 mil espectadores ouviam em silêncio os alto-falantes do estádio anunciarem: “A ADEG informa: escalação dos times para esta tarde: Clube de Regatas Vasco da Gama... Carlos Alberto, Paulinho e Bellini; Écio, Orlando e Coronel. Sabará, Livinho, Vavá, Valter e Pinga...” (longa pausa entre um nome e outro para criar suspense...) A torcida se manifestava ruidosamente, mais ainda se o seu time fosse jogar completo. Outra pausa e... “Botafogo de Futebol e Regatas: Adalberto, Tomé e Nilton Santos; Servílio, Beto e Pampolini; Garrincha, Didi, Paulo Valentim, Edson e Quarentinha...” Era a vez dos alvinegros... Os alto-falantes divulgavam também a “marcha do placar” nos jogos da rodada nos outros estádios. Renda e público - informações preciosas -, vinham lá pela altura dos 35 minutos do segundo tempo. Tinha gente que apostava nas aproximações de acerto.
MÚSICA AMBIENTE - Antes do início e no intervalo tocavam músicas em discos de vinil, 78 rpm, “quebráveis”, de Anísio Silva, Alcides Gerardi, Orlando Dias, Lana Bittencourt, Teresa Brewer, Nelson Gonçalves, Ângela Maria, Celly Campello, Rita Pavone... Jogo encerrado, “rodavam” o hino do time vencedor... O solene minuto de silêncio já era respeitado, desde que fosse um minuto de 25 segundos... Nada mudou aí.
PROPAGANDA - Nenhuma placa fixa dentro do gramado. Ao pé das arquibancadas, junto às grades de proteção fazendo o contorno interno do Maracanã liam-se: Tonelux, Cássio Muniz, Ducal, Casa José Silva, Exposição, Mesbla, Sears, Maltzbier, Crush, Grapette, Kibon, Coca-Cola... Uma exceção: terminado o primeiro tempo, homens entravam no gramado pelas laterais em trajes comuns - mocassins pretos, retorcidos, solas gastas, camisa branca pra fora das calças etc. Nos ombros, a exemplo dos ajudantes de caçadores que levavam as caças abatidas, traziam um varal com “reclames” de consertadores de colarinho, de óculos, de canetas, de galochas; serviços especiais de cartomantes, “compra-se tudo”, "dá-se aterro", "exterminamos formigas, tudo"...
ASSISTÊNCIA MÉDICA - Jogador machucado, exceto o goleiro, não era substituído. "Caía" para as pontas fazendo número. No caso de contusões o “departamento médico” entrava em campo (“departamento médico” era um roliço senhor de camisa esportiva de malha - pra fora das calças, e com uma maleta de madeira nas mãos)... Tratava-se do massagista, mas se o caso fosse grave aí então entrava o médico, de paletó e gravata. E os repórteres de campo entravam juntos... Usando sapatos, não eram raros os escorregões, rolagens e deslizes pelo chão sob intensa gargalhada do público... Lembravam filmes de Charles Chaplin. Chamados de “pombos-correios”, alguns massagistas mais “espertos” traziam instruções do técnico, que ficava na boca do túnel ao lado do goleiro, do médico, do massagista e de algum dirigente. E tinha os maqueiros... Os trajes eram os mesmos, e a maca, era aquela comum, uma lona presa nos lados em dois suportes de metal ou madeira. Imagine-se dois maqueiros franzinos - muitas vezes de chinelos de borracha - carregando um “atleta” de quase 90 quilos? Vida dura por um "bico" de alguns minguados cruzeiros...
LANCHES - Bebidas alcoólicas, refrigerantes e cigarros eram vendidos nos bares localizados na parte mais alta da arquibancada, e nem por isso havia confusão e briga. Qualquer coisa diferente os Cosme e Damião entravam em ação apaziguando os ânimos. Vendedores ambulantes vendiam um cachorro-quente (nem sempre quente) anunciado em altos brados: Vai um “salsicheis”... (numa palavra só anunciavam produto e preço: salsicha + seis cruzeiros = salsicheis) E um ingresso nas arquibancadas custava apenas dezessete...;
A BOLA E BALIZAS - De couro marrom, que se confundia com a lama quando em dias de chuva, eis a bola..Quantas vezes o jogo não era interrompido porque a “pelota” caía no “fosso”, uma espécie de tanque que circundava todo o gramado, com uma altura de mais de dois metros, cheio de água misturada com copos, garrafas, jornais etc. A bola era “resgatada” por um menino, usando um “puçá” daqueles usados em piscina. “Pescada” a bola, o jogo reiniciava...
De madeira quadrada (10x10cm), as balizas representavam perigo constante para os jogadores. Hoje são cilíndricas. Tecidas com barbante forte, as redes dos gols justificavam a expressão “bola no barbante” que era sinônima de “gol marcado”.
TORCIDAS - Torcida de um time é uma só, pensava a maioria absoluta dos torcedores. Por que divisões? As organizadas foram fruto do incentivo de alguns narradores de futebol. As de maior popularidade, como Vasco da Gama e Flamengo tinham e têm até hoje um lugar cativo. Ao Vasco, o lado direito das cabines, e ao Flamengo, o esquerdo. Estádio lotado, torcedores rivais se misturavam no anel oposto às tribunas, sem atritos, provocações ou confusões. Fogos de estampido e de artifício liberados, o Botafogo invariavelmente entrava em campo sob intenso foguetório.
LOCUTORES DE CAMPO - Locutores de campo e os fotógrafos postavam-se atrás das balizas portando seus “modernos” e enormes “walkie-talkies”. Quase entravam em campo na cobrança, de escanteios. Fios de microfones e de rádios, se vistos de cima, lembravam um cipoeiro. Um emaranhado só. Nos jogos noturnos, o espocar dos flashes das câmeras fotográficas cegavam goleiro, jogadores e torcedores... As fotos dos times “tiradas”no meio do campo saíam publicadas no dia seguinte, com as respectivas escalações, por isso os jogadores eram reconhecidos em qualquer lugar. Problemas com direito de imagem, de propaganda etc impedem que essas fotos sejam divulgadas hoje, ainda que clicadas.
Enfim, era um Maracanã bem mais modesto, simples, um gramado longe de ser o que é hoje, placares eletrônicos, telões, museus, excelente serviço de som, salas de musculação, de treinamento, de entrevistas, ambulância à beira do gramado, carrinhos-automóveis para socorro, cadeiras numeradas, ingressos magnetizados, geral com cadeiras, gramado perfeito, calçada da fama etc. etc. Tudo muito bonito, moderno, limpo, o que não nos impede de ter saudades daquele estádio inacabado, porém mais humano, romântico, pacífico, acolhedor, dentro e fora dele. E não falo apenas do nosso querido Maracanã, mas de quase todos os estádios do Brasil. Que seja bem-vinda para todo o Brasil a Taça do Mundo de 2014.
----------------------------------------------------------------------------------
Nota: clique sobre a foto. Vale a pena vê-la mais detalhada (Aps)----------------------------------------------------------------------------------