ANALFABETISMO? NÃO.

Ao lado da nossa casa, numa oficina mecânica, trabalhava um senhor humilde, muito querido de toda a vizinhança pela educação, respeito e carinho que dispensava a todos nós, crianças, adolescentes e adultos. Sua aparência meio rude, quase sempre trajando um macacão sujo de óleo e graxa afastava dele quem o visse pela primeira vez. Até seu nome era estranho: Borval... Às vezes o víamos observando discretamente, com ar tristonho, pensativo, meu irmão e eu fazendo nossos deveres escolares em meio a livros, cadernos e lápis. Um dia, perguntamos ao nosso amigo se ele sabia ler.
- Não. E nem escrever. – respondeu prontamente.
- E o senhor gostaria de aprender a ler, escrever, fazer contas?
- Gostaria. Mas nunca fui à escola.
- A partir de hoje você tem dois professores. – disse-lhe meu irmão mais velho.
- Será se eu consigo? - perguntou entre alegre e temeroso.
- Claro que consegue. Começamos quando quiser. - dissemos.
E assim foi. Aulas diárias de meia hora, quarenta e cinco minutos, rigorosamente. Crianças que éramos, no começo ríamos dele discretamente e de nós mesmos. Embora pacientes, achávamos ser impossível extrair dali qualquer resultado positivo por menor que fosse. Os dias foram passando. A boa vontade e esforço do Borval eram comoventes.
Finalmente, dentro de três meses ele já escrevia razoavelmente, lia até manchetes de jornal e fazia com relativa desenvoltura as contas de “mais e de menos”. Sua gratidão para conosco foi emocionante. Até sua irmã, humilde como ele, uma senhora casada e com filhos, morando num bairro distante, quando soube do nosso "milagre" foi nos agradecer pessoalmente pelo “bem que fizéramos ao seu irmão”. Ficamos surpresos, mal tínhamos conta da importância do nosso feito.
O tempo passou. Mais tarde, já adolescentes, ficamos sabendo pela sua irmã que o “nosso bom aluno” Borval tomara gosto pelos estudos, conseguira emprego no escritório de uma empresa numa cidade vizinha, e até ganhava mais, bem mais. Não que a profissão de ajudante de mecânico que exercia não fosse digna como outra qualquer, mas agora ele trabalhava naquilo que segundo ela era seu sonho, e consequentemente produzia muito mais.
E nós costumávamos dizer com muito orgulho: “Pelo menos um adulto alfabetizamos”. E não é tão difícil como pode parecer à primeira vista. É só perguntar, abrir o jogo francamente, porque muitas pessoas adultas têm vergonha de dizer que são analfabetas. Conheço casos assim. Descubra-os e ensine. Sempre que posso faço isso. Embora muitos não queiram mesmo aprender.