A nossa família morava numa casa cuja ampla cozinha era voltada para um quintal com muitas jabuticabeiras, goiabeiras, mamoeiros e mangueiras. A pia de mármore junto à janela permitia à minha mãe fazer o seu trabalho e ao mesmo tempo acompanhar o movimento na parte externa, além de se beneficiar da luz natural em boa parte do dia. Logo abaixo da janela via-se um telhado cobrindo um aposento com chuveiro e um tanque para lavagem de roupas.
Eu tinha, então, sete ou oito anos de idade, e uma de minhas “aventuras” prediletas era subir na pia e alcançar o telhado junto à janela. Ali eu passava horas recostado na parede branca da casa, lendo gibis ou livros infanto-juvenis de Monteiro Lobato. Dois ou três metros mais à frente, em nível mais baixo, um pé de manacá de flores brancas crescia junto a uma imponente caixa d’água de zinco, de formato cúbico, capacidade para mil litros.
Certo dia aconteceu um fato curioso. Era uma tarde de muito calor. Mal chegado das aulas do Grupo Escolar, almocei, e sem nada pra fazer colhi várias laranjas do nosso quintal. Fiz com elas um ótimo suco, bebi um pouco e com o restante enchi uma garrafa de cerveja Antarctica vazia. E mais: improvisei um “canudinho” com um talo seco de folha de mamoeiro. Fui até a cozinha, subi para o meu “refúgio”, e lá fiquei tranquilamente saboreando aquela bebida tão saudável, vitamina C pura... Distraía-me atirando na superfície externa da caixa, pedacinhos de pedra ou de concreto remanescentes da construção antiga. Diversão mais inocente, impossível.
Era muito divertido vê-las bater na elástica superfície de zinco, pular e cair no chão do quintal. Para surpresa minha, entretanto, o impacto de uma delas provocou uma minúscula abertura da qual saía um filete de água semelhante ao de um tubo de lança-perfume.Fiquei apavorado, pois se continuasse assim ela acabaria vazia em pelo menos três horas.
Logo veio à minha cabeça de criança uma solução que me pareceu muito simples: estancaria a água tapando a pequena abertura com uma massa de “sabão preto”. E sabão era o que não faltava, estava ali, ao meu alcance, na pia da cozinha... Preparei uma bolinha bem firme e me aproximei cuidadosamente da caixa para fazer o reparo "milagroso"... Era fácil, pensei: colocando-a no local avariado, fiz pressão com o dedo polegar da mão direita. Tinha tudo pra dar certo, mas me desesperei quando meu "dedão" mergulhou para o interior do reservatório, rompendo sua superfície de zinco.
O que até então era um minúsculo filete de líquido, transformou-se num jato igual ao de uma torneira grande, bem aberta. O cálculo agora era diferente: em menos de três minutos estaria vazia... Como é próprio das crianças supervalorizarem pequenos incidentes, eu imaginava que aquele certamente traria grande transtorno para a minha família. E isto era uma coisa que eu sempre evitava. Mesmo assim nunca falei nada pra ninguém. Fiquei calado até hoje, até produzir este post...
Mas fiquei muito feliz quando minha irmã me disse que a antiga caixa, já oxidada por dentro estava mesmo na hora de ser trocada por outra. Foi um grande alívio ouvir aquilo, mas não deixei de ficar triste pelos quase mil litros de água desperdiçados numa simples brincadeira. Prometi a mim mesmo jamais jogar pedrinhas em caixas de zinco...
Dias depois uma das faces externas da nova caixa, esta de cimento, servia de “tabela” para as nossas divertidas e bem disputadas partidas de basketball...
(Imagem Google de autor não identificado)